segunda-feira, 16 de maio de 2011

Reportagem DN: Na ponta dos dedos

Fortaleza, 15 de maio de 2011

Instituto Hélio Góes oferece aos portadores de deficiência visual educação infantil, ensino fundamental e reabilitação, além de cursos de braille aos seus familiares

Para muitos portadores de deficiência visual em Fortaleza, a Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC) é quase uma segunda casa. Seja como paciente do Hospital Alberto Baquit Júnior, como aluno da escola Instituto Hélio Góes ou como frequentador da Biblioteca Braille Josélia Almeida, entre outros espaços da instituição, é lá que se encontra a rede de apoio mais estruturada do estado. Inclusive, no que diz respeito ao acesso à cultura.

O Instituto Hélio Góes é uma escola curricular, reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação, que oferece educação infantil, ensino fundamental e reabilitação, além de atendimento para pessoas com outras deficiências (cognitiva, auditiva, motora etc.) e cursos de braille voltado aos familiares dos deficientes visuais (com objetivo de ajudá-los a acompanhar o desempenho dos filhos). A Educação Artística inclui atividades da dança, teatro e música.

"São 10 alunos por sala, inclusive do Interior e alguns de boa visão. Na Reabilitação, o número de assistidos é grande, por isso há dias alternados para as atividades", esclarece a professora Andreia Barros. Além de receber doações, o Instituto se mantém com parte da renda do Hospital Alberto Baquit Júnior e da Unidade Oftalmológica Iêda Otoch Baquit (que atendem pelo Sistema Único de Saúde, particulares e por convênios).

Na escola, Andreia é responsável por um dos espaços mais privilegiados, a biblioteca - cujo acervo é composto por livros em formato tradicional, em Braille e gravados em áudio. As temáticas vão desde a infantil até obras de preparo para Enem e concursos públicos.

Dedicação

Foi lá que, logo pela manhã, encontramos a aposentada Socorro Guedes Almeida, voluntária há mais de um ano da escola. Embora ocupada com uma pilha de livros para carimbar, esbanjou simpatia durante a entrevista. "É muito bom ser voluntária, servir ao próximo. Aqui a gente aprende tanta coisa, inclusive o exemplo vindo das pessoas com deficiência, e o amor dos funcionários pelo seu trabalho. Além de tudo, desenvolve os neurônios para evitar a esclerose", brinca.

"A tarefas dependem da necessidade. Às vezes catalogamos CDs e DVDs, encapamos livros. Uma vez por semana também participo do projeto Livro Falado, leio obras para gravação, que depois são escutadas pelos alunos e assistidos. Atualmente estou gravando um livro sobre igrejas do Ceará. Como é grande e as sessões duram apenas uma hora, devemos terminar até o final do ano", explica a voluntária.

O Setor de Livro Falado é um dos mais procurados no Instituto, por permitir de maneira imediata o acesso à literatura. Outro pequeno colaborador desse projeto é o aluno Juan Pablo, de oito anos, portador de cegueira total. Há dois anos ele é voluntário do projeto Curumim, no qual crianças realizam as gravações de obras escritas. Todo articulado, Juan explica que grava no estúdio do Instituto algumas vezes à tarde, depois das aulas. "Venho com a mãe de um colega ou de transporte. Escuto a história uma vez e regravo todinha. Eu escolho ou peço sugestão pra tia (professora)", conta.

"É importante, porque muitas crianças não têm condições de comprar os CDs. Por isso gosto de gravar, é bom fazer a alegria delas, a gente fica feliz também", explica, do alto da sua maturidade de quem está na alfabetização. "Estamos aprendendo letra V em Braille. É fácil, mas nas provas é mais difícil", diz com uma lógica tão inocente quanto desconcertante.

Uma das histórias preferidas de Juan é a do Patinho Feio. "Mas mudei um pouco, coloquei o patinho bonito, porque feio ele era maltratado. Às vezes faço histórias sem pé nem cabeça", diverte-se, enquanto sai da biblioteca rumo à aula de música. "Estou aprendendo violão e piano, mas queria mesmo era tocar bateria", confessa o pequeno.

Atualmente o Curumins inclui 32 crianças voluntárias, de 4 a 12 anos, que são acompanhadas pelos professores durante as atividades. Normalmente são filhos de funcionários, voluntários ou assistidos. Nem todas fazem gravação, algumas ficam na biblioteca, contam histórias, organizam livros e brincam com outras crianças.
Literatura

Outro destaque do Instituto é a assistida e ex-aluna Luciana dos Santos dos Anjos, de 19 anos. "O assistido pode fazer muitas atividades, como pegar livros em Braille ou falados", ressalta a jovem, que há um anos entrou para a Alasac - Academia de Letras e Artes da Sociedade de Assistência aos Cegos.

Projeto pedagógico criado em 2008, a Alsac visa promover os talentos artísticos da Instituição, além de mostrar aos alunos o funcionamento de uma Academia de artes. O professor responsável pelo projeto, Paulo Roberto Cândido, é deficiente visual, dá aulas de informática no Instituto e é membro da Academia Municipalista de Letras do Estado do Ceará (Amlece).

"Temos as cerimônias, com toda a postura e os rituais de uma Academia. Todos os 20 membros, entre crianças e adultos, são cegos ou têm baixa visão, e já publicou um livro, texto ou teve o trabalho em destaque na mídia. Tem gente que canta, compõe, dança, faz cordel e trabalhos manuais. Os novos integrantes são indicados pelos atuais", ressalta Andreia.

Luciana, por exemplo, entrou no lugar de Mikaele Coelho, que faleceu aos 18 anos vítima de doença degenerativa, após ter escrito o livro "A pequena flor". Assim como sua predecessora, a jovem é afeita das letras. Já se classificou em concurso de poesia e, em 2009 publicou um livro, chamado "Mistérios da adolescência", sobre as experiências de seis amigos.

"À época, escrevi à mão, em Braille, porque ainda não tinha computador. Agora estou escrevendo o segundo, chamado ´Rodrigo´, que é um garoto popular na escola", resume Luciana. "Este estou escrevendo com o Dosvox (programa de computador específico para deficientes visuais), uma coisa mais moderna", brinca Luciana. "Estou tentando fazer a história bem construída, gosto de escrever para o público adolescente. Depois vou procurar alguma editora interessada", planeja.

Sede de conhecimento

Outro frequentador da biblioteca do Instituto é Celso Florêncio do Nascimento, 69 anos, aluno da reabilitação. Por conta de uma infecção após cirurgia de catarata, ficou parcialmente cego em 2006. "Vejo um pouquinho de claridade, só", explica o professor aposentado. "Devido à profissão, andava sempre com um jornal, um livro. Minha primeira preocupação foi não poder mais ler", recorda. "Então procurei o Instituto, e como vinha com tanta vontade, aprendi o braille em um mês e meio. Depois aprendi o caminho da biblioteca e nunca mais esqueci", brinca Celso.

Ele também é usuário do Setor de Livro Falado. "É um recurso excelente, uma forma de continuar ´lendo´. No Braille temos que nos concentrar muito para ler e escrever, e não pode ficar muito tempo sem praticar, senão esquece, perde o tato. No alfabeto são 26 letras (contando K, W e Y), no Braille são 63 símbolos, as pessoas se engancham. No livro falado não precisa disso", ressalta.

Recentemente, Celso escutou o livro "Memórias de uma gueixa". "São 16 CDs, achei muito bem escrito. Também ouvi ´Ensaio sobre a cegueira´. Agora estou escutando ´Iracema´", contabiliza. Também membro da Alasac (ele já escreveu um cordel depois de participar de oficina no Sesc da capital), Celso realiza dois projetos no Instituto. No "Saiba Mais", conta a alunos e assistidos histórias de nomes de ruas de Fortaleza. Já no projeto "Ler Faz Bem", uma pessoa leva um livro, e, na volta, apresenta síntese da obra.

Contribuição

A biblioteca conta ainda com a ajuda de Igor Peixoto, 23 anos, aluno de do curso de Biblioteconomia da UFC. Em seu trabalho como voluntário no Instituto, realiza uma troca de experiencias bastante rica com Andreia. "Ele traz o aprendizado do curso para otimizar biblioteca", comemora a professora.

Igor também dá palestras para as crianças. "Falo sobre as bibliotecas mais importantes do mundo, a evolução desse espaço e de como se portar nele, sobre a importância da leitura e da escrita", detalha o estudante.

Embora usuário do Setor de Livro Falado, Igor defende o Braille. "O livro gravado é ferramenta prática de inclusão, mas o Braille é nosso elo com a leitura, um elemento importante dede identidade cultural".

ADRIANA MARTINS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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